Lira dos Vinte Anos - resumo e análise da obra de Álvares de Azevedo
Obra mais conhecida do poeta ultrarromântico Álvares de Azevedo, contém
criações vinculadas a duas vertentes bem definidas: de um lado, temas
sentimentais e abstratos; de outro, a forte presença do sarcasmo e da ironia
Considerado o mais significativo representante da segunda fase do
romantismo brasileiro, intitulada ultrarromantismo, ou “geração do mal do
século”, e com grande influência dos escritores Lord Byron e Alfred Musset, o
poeta Manuel Antônio Álvares de Azevedo produziu intensamente em sua curta
vida. Quase toda a sua obra foi publicada postumamente, a partir de 1853.
Em 1942, Homero Pires lançou uma edição final para as obras completas de Álvares de Azevedo. Lira dos Vinte Anos ocupa lugar relevante, sendo organizada em três partes. A primeira apresenta uma poesia de cunho idealizante, sentimental e abstrato. Na segunda, o poeta envereda pela ironia e pelo sarcasmo. A terceira é um retorno à dicção da primeira.
ARIEL E CALIBAN
As poesias são escritas sob o signo das entidades místicas Ariel e Caliban, que foram tomadas emprestadas da peça A Tempestade, de William Shakespeare. Pode-se dizer que, grosso modo, Ariel representa a face do bem e Caliban, a do mal. Em Lira dos Vinte Anos, esses personagens encarnam as duas facetas exploradas pelo autor na primeira e na segunda parte do livro.
Com Ariel estão os temas caros ao Romantismo, como o amor, a mulher e Deus, trabalhados num viés platônico e sentimental. A mulher assume caráter sobre-humano de virgem angelical, objeto amoroso de um encontro que, para a angústia do eu-lírico, nunca se realiza. Caliban, por sua vez, é a face sarcástica, irônica e autocrítica do fazer poético. Sobressaem os temas da melancolia, da tristeza, da morbidez e de Satã.
A primeira parte recebe uma influência mais idealizada e terna, típica dos franceses Musset e Lamartine; a segunda, irônica e satânica, vem diretamente do poeta Lord Byron.
BYRON E MUSSET
As influências literárias em Álvares de Azevedo têm papel vital em seus trabalhos artísticos. Não apenas como fonte de inspiração, mas como motivos literários propriamente ditos. Essas referências, citadas textualmente, funcionam como se fossem personagens metonímicos do universo poético do eu-lírico, servindo-lhe de companhia nas noites de profundo lirismo.
Junto do leito meus poetas dormem – O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron –
Byron e Musset, no entanto, estão mais presentes no universo de influências do poeta, principalmente o primeiro. As razões estão no caráter lendário que teve a vida de Lord Byron, repleta de aventuras amorosas, e no fato de que o poeta britânico foi o grande modelo de poeta ultrarromântico. Musset, seguidor de Byron em via mais sentimental, é para o poeta brasileiro um meio amenizador do impacto da poesia do primeiro em sua consciência literária. Pode-se dizer que, na primeira parte de Lira dos Vinte Anos, a influência de Byron é regida pelo filtro da leitura de Musset. Daí o tom sentimental e idealizado. É o que se pode perceber nos versos de Anjos do Mar:
As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d’escuma revolvem-se nus!
Na segunda parte, é como se Byron estivesse diretamente ligado ao canal criativo do poeta brasileiro. Basta ver o sarcasmo ferino e tétrico do conjunto de poemas. Um exemplo é a trova de O Poeta Moribundo, parte de Spleen e Charutos:
Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma corda, e cantem nela Os amores da vida esperançosa!
A OBRA
Lira dos Vinte Anos é o trabalho mais conhecido de Álvares de Azevedo. A obra contém, na primeira parte, um prefácio geral e uma dedicatória à mãe do poeta. São 33 poemas, que vão de No Mar até Lembrança de Morrer. A segunda parte é formada por 19 poemas, além de um elucidativo prefácio que abre a seção. Os poemas começam por Um Cadáver de Poeta e vão até Minha Desgraça, incluindo a série Spleen e Charutos.
Como foi dito, a terceira parte, com textos que vão de Meu Desejo a Página Rota, está tematicamente ligada à primeira. A análise dos poemas iniciais se aplica também a essa seção final da obra.
PRIMEIRA PARTE
O primeiro prefácio de Lira dos Vinte Anos é um importante elemento de compreensão dessa seção do livro. No texto, o poeta introduz uma perspectiva daquilo que o leitor encontrará nos poemas. São lamentos de um eu-lírico tímido e inexperiente, que se apresenta ao público: “São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.
É uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma coroa de folhas, mas sem viço”.
Percebe-se, nessas linhas iniciais do prefácio, a configuração de um eu-lírico que se apresenta num conjunto de antíteses sobre o fazer poético. É algo muito característico do romantismo esse dilaceramento do eu diante do mundo, que se traduz em contradições. Nota-se, pelas imagens do prefácio (lira, cânticos, canto, harmonia, vibrações), como o poeta elabora uma apresentação metalinguística, ou seja, que trata do próprio fazer poético.
A incapacidade de atingir a plenitude da beleza poética se traduz em uma repressão dos sentimentos de gozo. O tema do “medo de amar” ilustra de maneira exemplar o dilaceramento dramático da subjetividade poética. É bom lembrar que Álvares de Azevedo era um adolescente bem-nascido e sofria da típica dificuldade em conciliar o desejo carnal com o sentimento amoroso, situação bem comum à segunda geração romântica brasileira. Tome-se como exemplo os seguintes versos de O Poeta:
Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que do sono acordei?
No meu leito – adormecida
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor! (...)
Nesse trecho, estão bem representados os temas principais da primeira parte do livro. Diante da impossibilidade de realizar seus impulsos, o eu-lírico sublima os desejos, refugiando- se em um mundo imaginário de virgens idealizadas, de anjos e de espuma. Para isso, a atmosfera noturna é o ambiente preferido: na noite, os contornos se desvanecem, os limites se desmaterializam.
O mesmo desejo de fuga para estados fluidos de semiconsciência explica a grande presença de imagens que sugerem o sono ou a morte. Os adjetivos antitéticos do penúltimo verso citado, “palpitante” e “abatida”, sugerem o conflito básico entre o impulso de vida (Eros) e o de morte (Tânatos). Essa ambiguidade se cristaliza no verso a seguir, em que “a amante” não se relaciona diretamente com o poeta, mas com seu amor. Trata-se de uma configuração quase exemplar do amor platônico, que não se dirige a outro ser, mas ao próprio ato de amar. É uma poesia de seres e idéias abstratos, imersos em uma noite nebulosa.
O eu-lírico sofre uma cisão interna que se reflete também num aspecto cronológico. Ele sente que sua alma – nutrida de vastas leituras – é velha, enquanto o corpo – desprovido de experiências amorosas – é ainda muito jovem. No poema Saudades, há um exemplo disso:
Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi, (...)
A “mocidade”, ou juventude, foi “consumida” por outra que aparece ainda de forma indefinida e que se revelará, no decorrer do poema, um amor de infância do poeta, com quem ele lia romances e poemas e se sentia vivenciando grandes amores da literatura romântica. É o caso das citações dos personagens Carlota e Werther, Jocelyn e Laurence, que encarnam amores difíceis ou frustrados. A mesma fuga para o sono e para a morte é aqui a fuga para a literatura, que consome a juventude do poeta-leitor. O poema segue tratando dessa perda da mocidade:
E às primaveras digo adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!
Há aqui uma inversão do antigo tema do carpe diem (aproveita o dia). Diferentemente do uso clássico do tema, no qual um velho poeta olha para a juventude como o auge da beleza corpórea e trata da fugacidade do tempo, em Álvares de Azevedo um jovem olha para a velhice da alma. Ao fazer isso, sente as características da decrepitude do espírito humano.
SEGUNDA PARTE
No segundo momento de Lira dos Vinte Anos, há uma inversão das diretrizes poéticas. Em vez do céu, há a Terra; no lugar da alma, o espírito; substituindo o anjo, a lavadeira, cujo corpo atrai para o pecado. Passa-se do lamento choroso para a ironia sarcástica.
Essas alusões são claramente enunciadas no prefácio da segunda seção. O poeta, lucidamente, aponta ao leitor as mudanças e apresenta até o panorama literário da época, citando importantes autores e obras que se colocam no interior da mesma dicotomia. Suas palavras:
“O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem. Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias – isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. (...)”
A reiterada afirmação do corpo, que se opõe ao espírito, indica uma mudança poética substancial. O poeta vai agora tentar descer ao mundo das coisas e tratar com humor – e não tristeza – de sua inadequação em relação a elas.
Apesar da mudança no tom, os temas continuam os mesmos: a irrealização do desejo amoroso, o conflito entre o eu e o mundo, a fuga para a morte. Tudo tangido por um prosaísmo mundano. Objetos do cotidiano do poeta, como um charuto, um cachimbo, o vestido de chita, um cigarro sarrento, ganham direito à existência poética.
O poeta foge para o estereótipo de um mundo real, ou seja, um mundo que existe, mas que de fato não é o seu. Sabe-se que Álvares de Azevedo era um filho de família rica que nunca passou por privações materiais. Por isso, ao tentar figurar a realidade das classes menos favorecidas (como nos poemas em que fala do amor a uma lavadeira ou do poeta sem dinheiro), opera, em outros moldes, uma idealização semelhante à da primeira parte. Em outras palavras, quando o poeta tenta romper com o misticismo da primeira parte, cai numa idealização às avessas, pois ainda se encontra preso às formas impostas pela estética romântica.
Dividida em três partes, Lira dos Vinte Anos é um marco do chamado
ultra-romantismo. A primeira parte é marcada pela idealização gigantesca da
mulher e do amor, a presença constante da idéia da morte próxima e
religiosidade. Como especificado no segundo prefácio, a primeira parte é mais
Ariel e a segunda Caliban. Esta Segunda parte contém uma poesia mais sombria,
povoada de cadáveres, mulheres (melhor dizer vultos) e festas boêmias, com até
certo escárnio em alguns poemas; há também uma peça de teatro (Boêmios, ato
único de uma comédia não escrita). Já a terceira parte mistura um pouco das
duas anteriores, muito mais a da primeira que a da outra, com uma
irregularidade típica do autor. A obra é toda marcada pela influência dos
autores estrangeiros como Musset e Byron (este último e sua obra é presença
constante nas poesias e epígrafes). Álvares de Azevedo é um dos vultos
exponenciais do Romantismo.
Embora tenha morrido aos vinte anos, produziu uma obra poética de alto
nível, deixando registrada a sua incapacidade de adaptação ao mundo real e sua
capacidade de elevar-se a outras esferas através do sonho e da fantasia para,
por fim, refugiar-se na morte, certo de aí encontrar a paz tão almejada. Grande
leitor, Álvares de Azevedo parace ter "devorado" tantos os clássicos
como os românticos, por quem se viu irremediavelmente influenciado.
Embebedendo-se na dúvida dos poetas da geração do mal du siècle, herdou deles o
pendor do desregramento, para a vida boêmia e para o tédio. Contrabalança a
influência de Byron com os devaneios de Musset, Hoffman e outros. Lira dos
Vinte Anos, única obra preparada pelo autor, é composta de três partes. Na
primeira, através de poesias como "Sonhando", "O poeta",
"A T..." surge o poeta sonhador em busca do amor e prenunciando a
morte. Nas poesias citadas, desfila uma série de virgens sonhadoras que ajudam
a criar um clima fantástico e suavemente sensual. Por outro lado, em poemas
como "Lembranças de morrer", ou "Saudades" surge o poeta
que percebe estar próximo da morte, confessa-se deslocado e errante, deixando
"a vida como deixa o tédio/ Do deserto, o poento caminheiro".
A terceira parte de A Lira, praticamente é uma extensão da primeira e,
portanto, segue a mesma linha poética. É na segunda parte que se encontra a
outra face do poeta, o poeta revoltado, irônico, realista, concreto que soube
utilizar o humor estudantil e descompromissado. Esta segunda parte abre-se com
um prefácio de Álvares de Azevedo que adverte "Cuidado leitor, ao voltar
esta página!", pois o poeta já não é o mesmo: "Aqui dissipa-se o
mundo visionário e platônico." Algumas produções maiores do poeta aí estão
como "Idéias íntimas" e "Spleen e charutos", poesias que
perfeitamente bom-humor, graciosidade e uma certa alegria.
Deixa-se levar pelo deboche em "É ela!, É
ela!, É ela!, É ela!" , em que revela sua paixão pela lavadeira; em
"Namoro a cavalo", registrando as interpéries por que passa o
namorado para encontrar sua amada que mora distante. Resta lembrar que a obra
de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário
são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do
poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia,
o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em "Lembrança de
morrer", está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida, tão
próxima de sua obra poética: "Descansem o meu leito solitário/ Na floresta
dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta,
sonhou e amou na vida."
Álvares de Azevedo é um dos vultos exponenciais do Romantismo. Embora
tenha morrido aos vinte anos, produziu uma obra poética de alto nível, deixando
registrada a sua incapacidade de adaptação ao mundo real e sua capacidade de
elevar-se a outras esferas através do sonho e da fantasia para, por fim,
refugiar-se na morte, certo de aí encontrar a paz tão almejada. Grande leitor,
Álvares de Azevedo parace ter 'devorado' tantos os clássicos como os
românticos, por quem se viu irremediavelmente influenciado. Embebedando-se na
dúvida dos poetas da geração do mal du siècle, herdou deles o pendor do
desregramento, para a vida boêmia e para o tédio. Contrabalança a influência de
Byron com os devaneios de Musset, Hoffman e outros. Lira dos Vinte Anos, única
obra preparada pelo autor, é composta de três partes.
Na primeira, através de poesias como 'Sonhando', 'O poeta', 'A T...'
surge o poeta sonhador em busca do amor e prenunciando a morte. Nas poesias
citadas, desfila uma série de virgens sonhadoras que ajudam a criar um clima
fantástico e suavemente sensual. Por outro lado, em poemas como 'Lembranças de
morrer', ou 'Saudades' surge o poeta que percebe estar próximo da morte,
confessa-se deslocado e errante, deixando 'a vida como deixa o tédio/ Do
deserto, o poento caminheiro'.
A terceira parte de A Lira, praticamente é uma extensão da primeira e,
portanto, segue a mesma linha poética. É na segunda parte que se encontra a
outra face do poeta, o poeta revoltado, irônico, realista, concreto que soube
utilizar o humor estudantil e descompromissado. Esta segunda parte abre-se com
um prefácio de Álvares de Azevedo que adverte 'Cuidado leitor, ao voltar esta
página!', pois o poeta já não é o mesmo: 'Aqui se dissipa o mundo visionário e
platônico.' Algumas produções maiores do poeta aí estão como 'Idéias íntimas' e
'Spleen e charutos', poesias que perfeitamente bom-humor, graciosidade e uma
certa alegria.
Deixa-se levar pelo deboche em 'É ela!, É ela!, É ela!, É ela!' , em que
revela sua paixão pela lavadeira; em 'Namoro a cavalo', registrando as
intempéries por que passa o namorado para encontrar sua amada que mora
distante.
Resta lembrar que a obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em 'Lembrança de morrer', está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida, tão próxima de sua obra poética: 'Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida.'
Resta lembrar que a obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em 'Lembrança de morrer', está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida, tão próxima de sua obra poética: 'Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida.'
EU VOS ABRAÇO MILHÕES
A primeira paixão de Valdo foi a leitura. A leitura o aproximou
de Geninho. E Geninho o apresentou ao comunismo. A ideia de que a desigualdade
fosse uma injustiça e de que houvesse pessoas lutando pelo fim da opressão
social mudou a vida do garoto. Decidido a entrar para o Partido Comunista,
Valdo abre as porteiras da estância e cai no mundo. Levando poucos pertences e
quase nenhum dinheiro, embarca clandestinamente num trem com destino ao Rio de
Janeiro.
Na Cidade Maravilhosa, acredita, o lendário líder do Partido, Astrojildo Pereira, haverá de recebê-lo de braços abertos para conduzi-lo em pessoa às fileiras da militância, onde finalmente sua vida ganhará sentido. Mas Astrojildo não está no Rio. Foi a Moscou, sem data para voltar. E Valdo não tem dinheiro. Em vez de lutar para libertar a classe oprimida, torna-se ele próprio um assalariado, operário da construção. Para piorar as coisas, na obra que culminará num imenso ícone da alienação: o Cristo Redentor.
Quadro vívido e fascinante do Brasil na virada para a década de 30, Eu vos abraço, milhões é uma leitura imperdível, que reúne a Coluna Prestes e a Revolução de 30 às reflexões, perplexidades e fantasias de um personagem inesquecível.
Na Cidade Maravilhosa, acredita, o lendário líder do Partido, Astrojildo Pereira, haverá de recebê-lo de braços abertos para conduzi-lo em pessoa às fileiras da militância, onde finalmente sua vida ganhará sentido. Mas Astrojildo não está no Rio. Foi a Moscou, sem data para voltar. E Valdo não tem dinheiro. Em vez de lutar para libertar a classe oprimida, torna-se ele próprio um assalariado, operário da construção. Para piorar as coisas, na obra que culminará num imenso ícone da alienação: o Cristo Redentor.
Quadro vívido e fascinante do Brasil na virada para a década de 30, Eu vos abraço, milhões é uma leitura imperdível, que reúne a Coluna Prestes e a Revolução de 30 às reflexões, perplexidades e fantasias de um personagem inesquecível.
O livro Eu vos abraço, Milhões é mais uma criação do gaúcho
Moacyr Scliar que promete se tornar uma obra-prima. A começar por seu título,
que remete a uma poesia do alemão Friedrich Schiller, a qual está discretamente
presente no enredo, mais nas entrelinhas que em seu conteúdo.
O enredo também encanta e cativa o leitor. A trama se desenrola como uma
daquelas velhas histórias contadas a um neto por seu avô, em um recanto
aprazível da casa, em uma serena manhã de domingo. Só que esta narrativa é, na
verdade, um relato da trajetória existencial do protagonista, Valdo, nascido em
uma fazenda de criação de gado, na cidade de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.
Esta obra, que se parece igualmente com uma extensa epístola, revela
primeiramente a criança, filho de um capataz da estância, sua determinação em estudar, o despertar do amor pela
literatura, com a ajuda de sua mestra, que o inicia neste campo,
particularmente através de Machado de Assis.
Valdo dá uma guinada em sua vida ao conhecer o filho de sua professora,
Geninho, pois a partir de então o garoto passa a lhe orientar ideologicamente.
Já adolescente, ele se engaja na luta política ao lado dos comunistas, quando
tinha somente 15 anos, justamente no período em que se inicia a década de 30, o
país passa por séria crise econômica, a qual abala todo o globo, cresce o
prestígio da Coluna Prestes e é deflagrada a Revolução de 1930.
A aproximação de Valdo da doutrina comunista também se dá através da
literatura, embora os novos ideais alterem igualmente suas preferências
literárias. Nesta época ele se volta contra seu antigo mestre, Machado de
Assis, por considerá-lo um membro da burguesia; ele chega até mesmo a colocar
fogo em uma edição de Dom Casmurro. Até mesmo Euclides da Cunha, com seu
clássico Os Sertões, é visto por ele com suspeita e um certo desprezo.
Para ingressar no Partido Comunista ele abandona os familiares e segue
para o Rio de Janeiro, mas nas engrenagens da política ele encontra a dura
realidade, a qual contrasta com suas fantasias da juventude. Vivendo na então
capital do Brasil, na casa de um companheiro, ele encontra momentos felizes no
interior de uma livraria.
O autor da obra destaca a importância dos livros na existência não só de
Valdo, mas igualmente de seus companheiros de jornada, que viam na literatura
um refúgio seguro, e professavam sua fé nas linhas entretecidas por mãos e
mentes distintas. Moacyr vê nesta devoção quase religiosa sua própria
experiência com a literatura, uma vez que sua geração, que sucede a do
personagem Valdo, foi movida também pelos acontecimentos desta época.
O percurso de Valdo, nesta obra, é, de certa forma, a do próprio
Partido, a qual parte das aspirações que produzem os mais diversos devaneios, e
culmina nas armadilhas do poder autoritário, seguindo, finalmente, as trilhas
da submissão do operariado. É cruel, para Valdo e os demais comunistas, ver
seus sonhos desaguarem nas águas do regime criado por Stalin, um totalitarista
de esquerda.
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